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Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo. Sou vasto, contenho multidões. (W.Whitman)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Passa-me o tempo assim, como quem nada quer.
Como água corrente de riacho frio no inverno.
E frio escoa o tempo, sem intempéries.

Queria de volta o tempo de dilúvios
e terremotos.
Em que a vida vinha cheia de armadilhas
e eu passava as horas na espreita
do melhor momento de pular o muro
e roubar as laranjas maduras e doces
do vizinho que me espreitava por trás dos bambus.

Era o tempo da tocaia, do conluio entre camaradas.
A mãe poderia vir de cinta na mão; e ai...
fugir era impossível.
Aceitar o chicote com um sorriso amarelo, era o desenlace
para os incautos que não cuidavam no fazer com cautela.

Vinha o dia de festa na lagoa
pois era domingo.
Escondido, sim. Nadar na lagoa era impensável.
Mas oh! que tardes sadias de ócio e prazer
às margens da água misteriosa e escura,
onde o espaço era disputado com os patos
e alguns marrecos minguados.
Os bois pastavam ali ao lado
e entre um mugido e outro, os olhos fechados
com o sol acariciando a pele, um langor dormitando no corpo,
a tarde se esvaía em gritos, em risadas largadas,
em sons de pássaros como crianças.


Vez ou outra, um "matar a aula" da escola
e o fugir da vizinha que tudo delatava.
Perigo! Se ela vê... perdição!
Castigo. Joelhos no milho num canto da sala.
Duas horas de martírio
e uma vigília durante a Salve Rainha do terço.


O segredo da menina que sempre paciente,
mostrava as pernas abertas na consulta do "médico".
Um segredo que excitava, era loucura e era bom,
um cheiro gostoso que inebriava.
Sem dor, sem pejo, apenas descobertas...
E o segredo era tudo.

E o tempo das intempéries se foi.
Sem mais armadilhas, sem mais passarinhos,
tudo calmo e santificado
nos dias comportados que se vão também.

E os dias dos sustos, das surras merecidas como prêmios,
ficou na memória dos carecas barrigudos
que agora, apenas ouvem musica com ar sonhador.