Minha foto
Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo. Sou vasto, contenho multidões. (W.Whitman)

quarta-feira, 9 de março de 2011

Desencanto

      Final do dia se aproximando com o sol ja no ocaso prenunciando uma noite quente e ótima para ficar na rua até mais tarde. Tenho feito isso com frequencia, agora que não tenho motivos para estar cedo em casa.
      Lembro-me da primeira tentativa de falar com ela. Depois de passar o dia planejando tudo que diria ao telefone, reuni coragem com o coração aos saltos e disquei os numeros fatais. Quando ela atendeu, perdi o raciocínio. Nesse momento o coração ja saltava na garganta me deixando mudo por um  instante. Quando consegui falar, num prodígio de auto controle, foi somente um "oi, tudo bem?", e apesar da sua voz denotar certo prazer em me ouvir, minhas palavras saíram desconexas, deitando por terra todos aqueles argumentos sólidos que planejara de antemão. Por fim acabei me desculpando por ter ligado e encerrei a conversa rapidamente, como quem foge de um encontro desagradável e imprevisto. Fiquei ali parado, perdido, sentido a frustração me envolver como uma rede. Bem ao meu lado havia um banco vazio, pois estava numa praça, e tudo que pude fazer foi me sentar ali e ficar quieto, o olhar perdido, por muito, muito tempo.  
      Numa segunda tentativa sua voz soou-me fria e distante. Por mais estranho que possa parecer, desta vez foi menos doloroso, menos impactante. Como se estivesse vacinado contra um mal que ja não me teria um efeito tão nefasto. 
      Haveria espaço para uma terceira vez? Sinto saudades, é certo. Mas começo a pensar que estou agindo mal em insistir. Posso dar a entender que imploro por sua volta e não quero isso. Essa dúvida me assalta todos os dias. Ligar e marcar um encontro? E se ela recusar? Na verdade me sinto acovardado; tenho mêdo de ligar e deparar com uma reação agressiva com a qual não saberia lidar.
      Decido caminhar até o Café onde tantas vezes estivemos por horas, em conversas amenas, entre risos, afagos e carícias. Gostava tanto quando ela deitava a cabeça no meu peito me abraçando, enquanto eu deslisava minha mão sobre seus cabelos longos e ondulados, de um castanho brilhante, ou enrolando uma mecha macia entre meus dedos. E o seu perfume? Eu fechava os olhos e aspirava aquele aroma, bêbado de felicidade!
      Entro e me dirijo direto ao balcão. As mesmas pessoas trabalhando, as mesmas mesas e alguns habitués, mas o lugar me parece triste, até um pouco lúgubre. Ou apenas eu mudei, deve ser isso. Corro os olhos em volta e a vejo. O choque é inevitável. Sinto meu sangue fugir da face e uma pressão no estômago quase me deixa sem ar. Ela estava sorrindo quando me viu. Falava com alguém ao seu lado que não reconheço. Tampouco importa. Me dirige um cumprimento monossilábico, com um meio sorriso sem graça e um olhar gelado onde percebo passar uma nuvem de apreensão. Está diferente. Percebo que mudou o estilo de vestir-se. A maquiagem, antes leve, em cores suaves, hoje está mais presente  em cores fortes, o que, apesar de ficar bem no seu rosto, me provoca uma sensação de desgosto. Ja não tem os cabelos longos. Estão curtos, muito curtos, num corte moderno acima do ombro. 
      Depois dessa curta análise, viro o rosto com desagrado e uma melancolia toma conta de todo o meu ser. Decidido levanto-me e saio sem olhar novamente para ela. Ja na rua me ocorre que a pessoa que tanto amei, por quem eu morreria, com quem eu passei momentos os mais preciosos da minha vida; essa pessoa não existe mais. Está morta. Fica a lembrança do que fomos. E a saudade persistirá sem que eu a queira apagar da memória.
Agora sei que posso enfim voltar para casa sem medo de ficar sozinho. Deixei o fardo do passado no balcão daquele Café.