Era uma visão dantesca e antes de tudo, um inferno pessoal.
O casebre onde morava, ou melhor, onde se escondia das intempéries, não era mais que uma choça de duas peças com um tosco fogão de pedra logo na entrada, num canto um pouco ao fundo, sobre o chão molhado. O teto baixo e a exiguidade da peça, deixava sempre um odor de fumaça produzida por lenha verde que a tudo impregnava mesmo quando não havia madeira para fazer fogo. Nas poucas vezes em que saía, deparava com a visão degradante do que seria uma rua, ladeada de outros casebres miseráveis como o seu, com a madeira enegrecida pela podridão, onde a presença do bolor era palpável.
A rua propriamente dita não passava de uma viela afundada formando um canal raso onde, em dias de chuva, a lama se misturava aos montes de fezes que as pessoas não se importavam em pisotear no seu vaguear cotidiano, numa vivência sem motivação, sem horizontes, desprovida de porvir.
Os dias passavam sempre negros, mesmo que o sol por vezes despontasse entre as nuvens baixas que a tudo encobriam. Esse tempo horrível, somado às condições subumanas, tinha um efeito nefasto sobre o seu caráter e sobre o seu humor. Vivia num ambiente opressivo onde eram frequentes as querelas, constantes altercações por um nada, um olhar mal dirigido, uma palavra mal colocada, ou a disputa por uma pouco mais de espaço a que alguém se desse o direito. Entre todos talvez fosse o mais ranzinza, o briguento, sempre a vociferar com as pessoas na sua voz estridente e seu vocabulário repleto de impropérios. Não gostava de ninguém. Desconfiava de todos e usava isso como escudo na luta pela vida. Olhava sempre o semelhante com olhos de azedo ciúme e nutria um ódio secreto por tudo que o rodeava. Passava os dias fechado no seu mísero espaço e quando se via obrigado a sair em busca de alimento e água menos suja para mitigar a sede, era com profundo rancor que olhava seu mundo miserável, nauseabundo e triste.
Odiava com especial fervor a lama fétida que o rodeava, a umidade constante que impregnava as roupas, o mau cheiro que a tudo permeava e o frio. O frio penetrante que o perseguia até os recônditos da alma. E sua alma sofria. Enquanto seu ego berrava seus instintos bárbaros, enquanto seu corpo se debatia nessa luta insana e sem trégua; sua alma sofria.
Porém, nada permanece e nenhum sofrimento é eterno.
Numa noite como outras quando voltava ao abrigo ziguezagueando na penumbra e evitando contato com aqueles que se aqueciam em fogueiras mortiças, alguém saiu das sombras, uma mão bendita levada a executar um gesto que pensasse talvez, fosse de vingança, mas que não foi mais que um gesto de misericórdia e o esfaqueou no abdome.
Morreu sem dor, sem resistência, entregando-se ao destino. Sem rancor, sem desejos.
Mergulhado num oceano de alívio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
É sempre um prazer receber amigos.
Imensamente agradecido por sua visita.
Flavio Dutra.