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Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo. Sou vasto, contenho multidões. (W.Whitman)

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O dia seguinte.

Eu tentei aceitar. No princípio até consegui. Seus argumentos eram mais do que lógicos, e analisados friamente, faziam sentido. Analisados friamente, eu quis dizer, porque, por outro lado, o lado mais emotivo, o lado em que as decisões são ditadas pelo coração, seus motivos chegavam a parecer cruéis, insensatos, irracionalmente realistas. Sim, porque a realidade exige uma boa dose de fantasia, ou vivemos uma vida árida, sem jardins, sem pétalas que se abrem, sem a percepção da chuva tamborilando na calçada, sem o sorriso da criança que pela primeira vez consegue se manter de pé.
Mas, fazia-se mister ler seus argumentos pela ótica matemática da estatística. Absoluto non sense aplicado às coisas do coração.
Concordei a contragosto, mas também não havia saída possível. Ela estava saindo. Saindo da minha vida, saindo dos meus sonhos mais acalentados, saindo dos meus planos, saindo, saindo, saindo, ... e eu não suportava a ideia que teria de viver sem seu sorriso a partir dali. Não ouviria mais sua voz todas as manhãs, não teria mais a quem levar uma toalha no banho, não teria mais a quem servir um copo de água na sala, nas tardes quentes de final de verão. Não teria...não teria...tudo isso passava em minha mente num relâmpago enquanto concordava com seus argumentos sórdidos. Muitas vezes a lógica é sórdida, principalmente quando fere sentimentos nobres. Quando não leva em conta as emoções envolvidas.
Ainda pela manha aceitei o fato de ter que me aturar sozinho. Não vivi aquele dia. Usei o tempo me convencendo sempre que seria melhor assim e que poderia encontrar algo de positivo na situação, me iludi todo o dia com a premissa que sendo livre teria mais tempo para fazer o que bem entendesse.
No entanto, chegando em casa no inicio da noite, o silencio caiu sobre o meu rosto como uma onda de choque numa explosão. Um silencio que parecia ter o hálito morno dos ventos do deserto. Sem ter simplesmente o que fazer sentei-me e abri sua ultima correspondência, a mesma em que ela usou dos seus argumentos lógicos e paradoxalmente insensatos. Li como quem lê um anuncio de jornal. De súbito, duas ou três lágrimas saíram apressadas, rolaram-me  pelo rosto, se perderam no  canto dos lábios, e quando senti seu gosto salgado, como salgada era a desilusão, deixei pender o rosto e correr livre o pranto. Livre e silencioso, como seria a vida dali adiante.