Minha foto
Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo. Sou vasto, contenho multidões. (W.Whitman)

sábado, 19 de novembro de 2011

      As memórias vinham agora de uma vivência inacreditável, possivelmente em algum tempo paralelo, tal era a incongruência dos fatos.
Estivera um tempo, vivera alguns longos anos ou participara por um período, da vida de uma família estranha. Naquele meio cresceu prisioneiro em seu próprio lar, se pudesse defini-lo como tal. Não interagia com outros meninos da mesma idade, não saía na rua, alem das idas à escola ou ao catecismo. Quase nada sabia do mundo exterior, das malandragens, dos jogos, da malícia que se aprende nas ruas e que, bem ou mal ajuda a formar o carater dos homens. O espaço que lhe era destinado para laser era um quintal cercado de muros, que compartilhava com os irmãos menores. Irmãs também as tinha mas eram seres especiais, sempre ocupadas dentro da casa num grupo coeso de amigas ou clientes da mãe que era costureira, num tagarelar contínuo, entre risos, musica e planos de saídas para os finais de semana. Com exceção de uma delas, que era responsável por toda a lavagem de roupa da casa, os afazeres da cozinha, o banho dos menores e que sofria algumas punições quando atrasava todas essas obrigações.
Pelo critério da casa, os garotos eram pessoas desprezíveis. O único quarto que dividiam era usado como depósito de dejetos da residência, ( sapatos sem uso, roupa suja, livros velhos, utensilhos já imprestáveis que ainda guardavam alguma esperança de conserto), era o quarto da bagunça. Dividiam uma única toalha de banho e a roupa de cama simplesmente não existia. Dormia-se sobre o colchão nu, deformado e manchado pelo uso prolongado. Também não conhecia o uso da escova de dentes. Descobriu isso aos 15 anos quando um colega de escola, no meio de uma discussão qualquer lhe disse na cara que sua boca fedia por ele não escovar os dentes, com a agravante que as moscas voejavam à sua volta atraídas pelo mau cheiro. Ficou paralisado. Nunca tivera uma escova de dentes. Nem tinha noção de que era preciso usa-la diariamente. Haveria mais coisas que não sabia? Coisas que, por lhe faltarem o deixariam mal em relação às pessoas? Suas roupas, como seriam aos olhos dos outros? Seus cabelos seriam ridículos talvez? Talvez por isso aquela colega  de sala, linda, o olhasse com aquele ar de deboche?
Para agravo das suas dúvidas, seu pai chegou um dia e disse que já era hora dele se virar sozinho. Disse que já tinha quase 16 anos e não lhe daria mais sapatos e roupas. Porém, não lhe ensinou a trabalhar. Depois de anos vivendo fechado como um pássaro engaiolado, não saberia, é óbvio, como encontrar um primeiro emprego. Andou com as mesmas roupas, que já eram exíguas, por longo tempo, até vê-las puírem-se e de seus sapatos não restarem praticamente que o couro de cima bem ralado. As solas já não existiam. A planta do pé pisava literalmente o solo. Mas precisava fingir que estava calçado, então andava evitando levantar excessivamente os pés, para que não aparecessem a quem o olhasse de trás.
Viveu assim aquela adolescência ingrata. Foi um rapaz bonito nos verdes anos. Teria amado, teria sido correspondido. 
Um dia, cansado de tudo, uma revolta invadiu sua alma. Percebeu que se não tentasse, jamais sairia dali, da masmorra que era sua vida. Então fugiu da prisão que tinha sido seu único lar.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O céu estava violeta.
Melhor dizendo, o horizonte apresentava uma cor violeta, com uma ligeira faixa de luz esbranquiçada onde começava o céu ou onde terminava o solo no que seria, seguindo a lógica, o nascente, o leste.À medida que se olhava para o oeste, o violeta desaparecia dando lugar à mais completa escuridão. Um manto negro sem o pontilhado de estrelas a que estamos acostumados, em se tratando de noites sem lua e sem nuvens. 
Por algum motivo que não discernia, olhava com apreensão a silhueta de algumas rochas altas de pontas quadradas contrastando com a  estreita faixa de luz clara no fim da paisagem surreal, quando uma neblina vermelha mesclada de ferrugem desceu sobre tudo num caleidoscópio de manchas em espiral, correntes de vapores e erupções de fogo em vermelho tijolo. Não sentia calor, não sentia frio. Era como se fosse o observador e o observado, e não poderia deixar de sentir uma certa indiferença pela sua localização e pelas coisas que presenciava.
Subitamente, a neblina se abriu. O ambiente foi clareando, as espirais se afastaram e viu então que estivera envolto pela calda de um gigantesco cometa vermelho que agora subia em direção à abóbada celeste sem contudo afastar-se. Parecia seguir a esfera onde estava pousado e que agora parecia-lhe ser um pequeno planeta sem vida perdido em algum ponto de vácuo no universo. Veio-lhe o pensamento, numa certeza lúcida, de que teria ido longe demais e agora temia não haver mais volta. O cometa seguia pelo céu negro, imenso, como uma imensa bola em chamas,  e contudo deixando  atrás de si apenas uma pequena cauda, não maior que seu próprio diâmetro. Teve receio de que descesse novamente sobre si e o levasse embora do ponto onde tinha chegado.     
Não sabia de onde viera e nem por que estava ali. Mas havia algo a fazer e tampouco sabia exatamente o quê. Então veio a voz e gritou do espaço: "A luz, entre na luz!", e num átimo de pensamento estava parado no limiar da faixa esbranquiçada do horizonte.
Deu um passo e entrou na luz. O choque foi violento. A extrema luminosidade penetrou pelo seu corpo físico e se viu atravessado por uma corrente de eletricidade branca assustadora. Seus braços levitaram até a frente do rosto e viu dois anéis escuros circundando seus braços pouco acima dos pulsos. Ali a luz era contida. Ficava estagnada nos braços e causavam quase uma dor, um incômodo tremendo, provocando um estado de verdadeira agonia. A voz entrou novamente em ação e disse num tom de urgência:" jogue pulsos de luz nos braços, dissolva os anéis". Imediatamente, ondas de energia branca partiram de sua fronte, envolveram os braços naqueles pontos e os anéis desapareceram.
O que veio depois foi ainda mais assustador. A luz passou a jorrar pelos dedos como se antes tivesse estado contida por uma barragem. Saía em jatos longos e fortes e provocava em sua passagem um tremor incontrolável. Todo seu corpo vibrava e não havia dor. Quase desapareceu em meio ao brilho daquela luz. Teve a impressão de desintegrar-se e o medo o dominou por um instante. Chorou. Quis parar mas era impossível. Então alguém veio e pegou seus braços, dobrou-os sobre seu peito e o deixou assim. Não viu quem foi; estava cego para tudo que não fosse luz e brilho branco. O fluxo energético diminuiu e sentiu-se tranquilizado. Respirou profundamente e deixou-se ficar ali, quieto, em paz, envolto naquela nova realidade.
 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Não quero a distancia interpondo-se,
a saudade entrando sorrateira
pelos meus lençóis e meus sonhos.
Nem essa incompletude do dia,
quando parado à porta, olhar ausente
banhado na dourada luminescência do ocaso
invejo a alegria dos pardais na minha rua.
Quero o abraço gostoso,
teu beijo
teu riso
teu cheiro
e o calor dos teus olhos
pousados em mim.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

       Era uma visão dantesca e antes de tudo, um inferno pessoal.
      O casebre onde morava, ou melhor, onde se escondia das intempéries, não era mais que uma choça de duas peças com um tosco fogão de pedra logo na entrada, num canto um pouco ao fundo, sobre o chão molhado. O teto baixo e a exiguidade da peça, deixava sempre um odor de fumaça produzida por lenha verde que a tudo impregnava mesmo quando não havia madeira para fazer fogo. Nas poucas vezes em que saía, deparava com a visão degradante do que seria uma rua, ladeada de outros casebres miseráveis como o seu, com a madeira enegrecida pela podridão, onde a presença do bolor era palpável.
       A rua propriamente dita não passava de uma viela afundada formando um canal raso onde, em dias de chuva, a lama se misturava aos montes de fezes que as pessoas não se importavam em pisotear no seu vaguear cotidiano, numa vivência sem motivação, sem horizontes, desprovida de porvir.
      Os dias passavam sempre negros, mesmo que o sol por vezes despontasse entre as nuvens baixas que a tudo encobriam. Esse tempo horrível, somado às condições subumanas, tinha um efeito nefasto sobre o seu caráter e sobre o seu humor. Vivia num ambiente opressivo onde eram frequentes as querelas, constantes altercações por um nada, um olhar mal dirigido, uma palavra mal colocada, ou a disputa por uma pouco mais de espaço a que alguém se desse o direito. Entre todos talvez fosse o mais ranzinza, o briguento, sempre a vociferar com as pessoas na sua voz estridente e seu vocabulário repleto de impropérios. Não gostava de ninguém. Desconfiava de todos e usava isso como escudo na luta pela vida. Olhava sempre o semelhante com olhos de azedo ciúme e nutria um ódio secreto por tudo que o rodeava. Passava os dias fechado no seu mísero espaço e quando se via obrigado a sair em busca de alimento e água menos suja para mitigar a sede, era com profundo rancor que olhava seu mundo miserável, nauseabundo e triste.     
     Odiava com especial fervor a lama fétida que o rodeava, a umidade constante que impregnava as roupas, o mau cheiro que a tudo permeava e o frio. O frio penetrante que o perseguia até os recônditos da alma. E sua alma sofria. Enquanto seu ego berrava seus instintos bárbaros, enquanto seu corpo se debatia nessa luta insana e sem trégua; sua alma sofria.
      Porém, nada permanece e nenhum sofrimento é eterno.
   Numa noite como outras quando voltava ao abrigo ziguezagueando na penumbra e evitando contato com aqueles que se aqueciam em fogueiras mortiças, alguém saiu das sombras, uma mão bendita levada a executar um gesto que pensasse talvez, fosse de vingança, mas que não foi mais que um gesto de misericórdia e o esfaqueou no abdome.
     Morreu sem dor, sem resistência, entregando-se ao destino.  Sem rancor, sem desejos.            
      Mergulhado num oceano de alívio.

sábado, 1 de outubro de 2011

Sobre a relva verde, próximo ao espelho do lago,
dia de sol dourado e céu azul;
deitado na grama macia eu ouço,
uma música que a tudo permeia,
a sinfonia univérsica,
enquanto aspiro de olhos fechados
o aroma da folhagem que me rodeia.

domingo, 11 de setembro de 2011

Hay que endurecerse...


Devemos levar a guerra até onde o inimigo a leve: à sua casa, para seus centros de entretenimento; uma guerra total. É necessário para impedi-lo de ter um momento de paz, um momento de tranquilidade fora de seu quartel ou mesmo dentro, é preciso atacá-lo onde quer que seja; fazê-lo sentir-se como um animal encurralado onde quer que ele possa mover-se. Então, sua fibra moral deve começar a declinar. Ele vai ser mais bestial ainda, mas vamos observar como os sinais de decadência começam a aparecer.  (Che Guevara. Mens. ao Tricontinental - 1967)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O mais triste, amor
é essa noção de que todos os poemas que fiz com ardor
só farão sentido no fim,
quando nos últimos minutos da tua vida, lembrar-te de mim,
desejando-me ao teu lado,
me chamando no íntimo do teu coração magoado;
e já terei partido,
triste, enfim no abandono, perdido,
e não poderei te achar
e teu remorso consolar.
Eu já terei partido, amor;
e mais doída do não saber a dor,
se nos veremos novamente e quando,
quantas eras ainda, esperando.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Quando a mente se recusa a pensar
olhando de longe um improvável espetáculo de recordações,
um circo grotesco, o outrora tão íntimo diálogo.
Nada é real, nem o colo da mulher que vem no início da noite
com sua voz macia e enganosa tormenta dos sentidos.
Nem o coração que palpita pelo ondulante quadril e curvas esmeradas,
nem o sonhar , no desejo noturno, até o seguinte embate de volúpia.  
Nada sobrevive, nada permanece, nada revigora no amanhecer seguinte.
Quase nada fica,
quase nada.
Apenas um segredo na madrugada, intimamente resguardado,
tão sofrido, tão querido, tão zelosamente preservado...
do teu rosto...uma lembrança.

O músico.

Solenemente sentou-se
dedilhou as cordas convicto
e da partitura da alma
tirou os primeiros acordes
da vida.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ge








C'était...








Une jolie femme aux cheveux blonds
sur les épaules nues.
Son corps langoureux s'abandonnait
sur le divan rouge
sous la lueur du jour finissant.
Et comme si quelqu'un l'avait appelée,
son visage me regardait de loin...
de très loin, à travers le temps.




Gemária Sampaio é minha amiga e proprietária do Chá das Cinco. Visite.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Um Pinot Noir
ao som de "Ballad Medley" de Charlie Parker.
Uma vibração percorrendo minhas veias, nos acordes do sax alto
distendendo meus tendões,
injetando-me uma leveza de alma que chega às lágrimas.
Que homem pode tocar uma coisa dessas?
Homens não tocam assim, homens são maus.
Esse que toca não é homem, é um demonio que brinca com acordes,
e que bem me faz!





sábado, 25 de junho de 2011

Quero pedir perdão
a você que me olhava naquele dia
com olhos fixos no infinito,
e via tudo que havia de fantasmas, menos a mim sentado na tua frente.
Inuteis braços cruzados numa defesa irracional.
Eu não queria, te juro hoje, tanto tempo já passado
e  mesmo que já não faça grande diferença depois da tormenta.
Mas me perdoe.
Isso é tudo que te posso dizer quando o tempo se abate sobre mim
e a dor de olhar o passado me esmaga com todo seu peso.
Queria poder voltar e te abraçar naquele momento
mas o tempo não perdoa,
não dá uma segunda chance.
E mesmo este pedido de perdão não me alivia, pois
o teu perdão também não me aliviaria
quando a consciência do meu erro me atormenta por noites sem fim.

sábado, 14 de maio de 2011

O Abismo

Eu a vejo e não posso toca-la.
Vejo seus olhos em súplica muda
e seu perfume, seu calor, seu hálito na minha boca
são lembranças pungentes no meu corpo carente.
Saltaria sobre esse espaço, a alcançar a voz que se calou
não fossem meus membros já trêmulos.
A força das minhas asas, vi escoar pela terra adentro
perdendo-se na vegetação
e o musgo do tempo a tudo encobriu.
Eu a vejo e não posso toca-la.
O fosso mais se aprofunda quando chamo
e então
o que faço é permanecer estático, olhar magnético
enquanto a vida se vai, lentamente
ou até que meus pés, esgotados
criem raízes.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Aproximo-me dela com respeito
eu a olho com respeito
amo seus olhos negros e seus lábios vermelhos de um vermelho pálido
sobre a pele morena.
Seu sorriso me liberta, já o tenho dito e me libera dos meu temores
mas tenho por ela um respeito que não posso ignorar
isso não sobrepassa meu desejo 
e meu beijo é carregado de volúpia e uma felicidade sem conta
então me vem a vaga ideia de que esse amor nasce sobretudo
desse respeito que sinto, por ela
e que produz em mim uma vontade de ser mais do que sou
de crescer, ser mais homem, se ainda fosse possível, se houvesse tempo
para enfim, merecê-la.

sábado, 26 de março de 2011

Já na aurora, não vivo
sinto raiva de tudo
meu dia se arrasta em tarefas imensas
receio tudo, tudo é fardo, é dor
o desleixo, o despropósito do abandono
o cair a cada minuto, desacreditado
a tentativa vã da retomada no rumo certo
a desistência a cada hora fatigante.
O querer sair e ficar, atônito
o ficar e querer sair, atônito.
Uma vontade de nada
um choro que não vem
uma agonia sem nome
um atordoamento de limbo
um desistir de sonhos.
A desistência e enfim o sono pesado da fuga.

E quando me assalta a descrença
e me entrego nessa morte cotidiana
teu sorriso vitorioso me alcança ao fim do dia
resgata-me do abismo
e mais um dia é vencido,
os temores afastados,
serei novamente criança, por mais uma noite
até o alvorecer.

quarta-feira, 23 de março de 2011

O mundo caminha para, em pouco tempo, ser uma única democracia, sem nações, sem bandeiras, sem fronteiras;ou seja, sem egoísmo. Os fatos falam por si. Ditaduras vão cair, regimes fechados vão ruir internamente. Uma fagulha de informação é um estopim que deflagra a bomba da inconformidade. A internet faz isso no mundo de hoje. Ai de vocês tiranos corruptos e ladrões. Ai de vocês, governantes "semi-deuses" que se perpetuam no poder à custa do sofrimento e da ignorância do povo.
Cairão. Têm seus dias contados. O Homem ( a humanidade )se levanta numa atitude universal, para ser dono do seu próprio destino. E a onda avança...! Ninguém segura mais esse tsunami chamado internet.    

quarta-feira, 9 de março de 2011

Desencanto

      Final do dia se aproximando com o sol ja no ocaso prenunciando uma noite quente e ótima para ficar na rua até mais tarde. Tenho feito isso com frequencia, agora que não tenho motivos para estar cedo em casa.
      Lembro-me da primeira tentativa de falar com ela. Depois de passar o dia planejando tudo que diria ao telefone, reuni coragem com o coração aos saltos e disquei os numeros fatais. Quando ela atendeu, perdi o raciocínio. Nesse momento o coração ja saltava na garganta me deixando mudo por um  instante. Quando consegui falar, num prodígio de auto controle, foi somente um "oi, tudo bem?", e apesar da sua voz denotar certo prazer em me ouvir, minhas palavras saíram desconexas, deitando por terra todos aqueles argumentos sólidos que planejara de antemão. Por fim acabei me desculpando por ter ligado e encerrei a conversa rapidamente, como quem foge de um encontro desagradável e imprevisto. Fiquei ali parado, perdido, sentido a frustração me envolver como uma rede. Bem ao meu lado havia um banco vazio, pois estava numa praça, e tudo que pude fazer foi me sentar ali e ficar quieto, o olhar perdido, por muito, muito tempo.  
      Numa segunda tentativa sua voz soou-me fria e distante. Por mais estranho que possa parecer, desta vez foi menos doloroso, menos impactante. Como se estivesse vacinado contra um mal que ja não me teria um efeito tão nefasto. 
      Haveria espaço para uma terceira vez? Sinto saudades, é certo. Mas começo a pensar que estou agindo mal em insistir. Posso dar a entender que imploro por sua volta e não quero isso. Essa dúvida me assalta todos os dias. Ligar e marcar um encontro? E se ela recusar? Na verdade me sinto acovardado; tenho mêdo de ligar e deparar com uma reação agressiva com a qual não saberia lidar.
      Decido caminhar até o Café onde tantas vezes estivemos por horas, em conversas amenas, entre risos, afagos e carícias. Gostava tanto quando ela deitava a cabeça no meu peito me abraçando, enquanto eu deslisava minha mão sobre seus cabelos longos e ondulados, de um castanho brilhante, ou enrolando uma mecha macia entre meus dedos. E o seu perfume? Eu fechava os olhos e aspirava aquele aroma, bêbado de felicidade!
      Entro e me dirijo direto ao balcão. As mesmas pessoas trabalhando, as mesmas mesas e alguns habitués, mas o lugar me parece triste, até um pouco lúgubre. Ou apenas eu mudei, deve ser isso. Corro os olhos em volta e a vejo. O choque é inevitável. Sinto meu sangue fugir da face e uma pressão no estômago quase me deixa sem ar. Ela estava sorrindo quando me viu. Falava com alguém ao seu lado que não reconheço. Tampouco importa. Me dirige um cumprimento monossilábico, com um meio sorriso sem graça e um olhar gelado onde percebo passar uma nuvem de apreensão. Está diferente. Percebo que mudou o estilo de vestir-se. A maquiagem, antes leve, em cores suaves, hoje está mais presente  em cores fortes, o que, apesar de ficar bem no seu rosto, me provoca uma sensação de desgosto. Ja não tem os cabelos longos. Estão curtos, muito curtos, num corte moderno acima do ombro. 
      Depois dessa curta análise, viro o rosto com desagrado e uma melancolia toma conta de todo o meu ser. Decidido levanto-me e saio sem olhar novamente para ela. Ja na rua me ocorre que a pessoa que tanto amei, por quem eu morreria, com quem eu passei momentos os mais preciosos da minha vida; essa pessoa não existe mais. Está morta. Fica a lembrança do que fomos. E a saudade persistirá sem que eu a queira apagar da memória.
Agora sei que posso enfim voltar para casa sem medo de ficar sozinho. Deixei o fardo do passado no balcão daquele Café.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O Puma

Era um lindo dia no inicio da primavera e o degelo fazia a correnteza do rio correr mais forte. Eu estava sentado logo abaixo de uma linda corredeira onde a água saltava entre as pedras em contínuo ronronar de gato que recebe carinho no colo. Deixei a vara de pesca montada com molinete descansando na beirada da margem e fiquei olhando a paisagem em volta. Havia muitas árvores novas no outro lado e onde eu estava era um terreno vazio, ondulado e ainda coberto com um pouco de neve caída durante a noite.
Ouvi um ruído leve de algo se arrastando no chão e quando olhei, vi minha vara caindo no rio sendo arrastada por alguma coisa grande na água. Pensei num peixe enorme, mas quando olhei para o rio, para minha surpresa, um leão descia com a corrente se debatendo e tentando se aproximar da margem. Um leão nadando? Nunca pensei que isso fosse possível. Em minha concepção de felinos, eles têm horror a água. No entanto lá estava um no meio do rio e levando minha vara de pesca novinha. Deveria ter caído na água rio acima, e agora tentava escapar. Sem pensar pulei na água na esperança de alcançá-la mas não consegui. A correnteza me levou rio abaixo, por uns cem metros, até que consegui nadar de volta. Ao mesmo tempo que atingi a margem, vi o leão saindo também, uns cinquenta metros abaixo. Ele ainda arrastava minha vara, puxada pelo anzol que aparentemente havia fisgado seu pelo, ou a própria pele, quando descia rio abaixo.
Não podia desistir agora; era uma vara de fibra, com um molinete caro, e eu a usava pela primeira vez.
O animal já fugia pra longe do rio e eu sem titubear fui atrás. Ele subiu por uma elevação do terreno e desapareceu. Corri ainda mais, num esforço de atleta no sprint final da corrida e atingi o topo da elevação. O terreno terminava numa concavidade de uns quinze metros de diâmetro que formava uma pequena arena. E no centro dessa arena, o leão esperava! Via agora que na verdade era um puma. Ele estava sentado sobre as patas traseiras e me olhava com seus olhos caramelados e fixos. Fiquei paralisado, e só então percebi a burrice que foi segui-lo. Ele se levantou e veio caminhando quase agachado em minha direção, o olhar paralisante que não se desviava, fixo em meu rosto e a cauda baixa, como se fosse uma corda estirada e pronta para impulsiona-lo à frente. De repente saltou. Tive tempo ainda de juntar as mãos com os dedos entrelaçados e os braços formando um V invertido, para proteger o rosto, de forma que quando me alcançou, suas patas atingiram meus ombros e pude agarrar sua mandíbula por baixo da garganta.
Cai de costas com todo seu peso por cima de mim. Era um animal tremendamente forte e pesado.
Ao cair, num instinto de proteção corporal, dobrei a perna e meu pé ficou firmemente apoiado na articulação da sua coxa com o quadril. Já no chão suas fauces escancaradas junto ao meu rosto, pude sentir seu hálito fétido em toda sua crueza e selvageria.
Fiz um esforço sobre humano para jogá-lo de lado com a força do meu pé apoiado e um giro de corpo. Ela tombou de lado mas não foi de grande alivio, pois com a força da inércia, e como se fosse um judoca experiente, jogou-me por cima do seu corpo e por sorte caí sobre as mãos e os joelhos. Já me preparava para levantar quando ouvi seu rugido subsônico, paralisante e terrível. Mal tive tempo de pensar na minha morte iminente.
Acordei me debatendo, ainda com espírito de luta. Estava na minha cama, quentinha e aconchegante. Sem neve, sem frio, sem leões ameaçadores.
Me virei de lado com um suspiro e tentei voltar a dormir.
Mas antes de cair no sono ainda pensei uma coisa engraçada. Alguém já sentiu cheiro no sonho? Não me lembro de alguma vez ter sentido cheiro num sonho. Acho que os sonhos não têm cheiro.
Cai num sono sem sonhos até amanhecer.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A vida em suspenso

Quando pela manhã, abaixoSofia Carvalho2 a cabeça no ato de lavar o rosto, me lembro que ela sempre dizia que não usasse sabonete para não ressecar a pele. Me olho então no espelho e por um instante a lembrança dela me olhando faz o ambiente desaparecer. Quase ouço sua voz me dizendo isso e, com o seu sorriso lindo, brigando comigo. Rimos juntos do meu velho hábito e tento beijá-la com o rosto molhado. Ela foge, rindo entre protestos. A imagem se esvai. Meus olhos vermelhos de insônia não deixam dúvidas. Foi-se .Só resta-me olhar todas as manhãs esse rosto macilento e triste, esses olhos cansados, minha testa enrugada, emoldurada de cabelos cinza, o que aumenta o aspecto triste de ruína no que sobrou depois da queda.
Meus lábios murmuram palavras de escusas que não sei se poderiam um dia ter surtido efeito. Nada é pior que a incerteza e ainda mais a incerteza do que poderia ter sido. Procuro nos meus olhos a razão da culpa que me condenou e me sinto pior por não vê-la tão certa quanto gostaria.
Melhor seria me saber culpado. Ajudaria a suportar o castigo. Saber-se culpado alivia a carga da condenação.
A água fria me trás o dia para suportar e olho com desinteresse pela janela. O sol ainda não despontou e o dia promete ser frio e nublado como num inverno prolongado e sem vida.
Meus dentes, escovados com atenção acentuada, me lembram que um dia pensei em endireitá-los. Preciso fazer isso, sempre penso. Outra instrução dela, claro que sem nenhuma imposição. A toalha me esfregando o rosto me diz que o melhor seria seca-lo sem atrito para não prejudicar a pele.
Caminho pensativo pelo corredor que me leva à cozinha. Vou descalço. Sentindo a frio do piso sob meus pés ainda quentes me lembro com saudade que ela também gostava de andar descalça pela casa. Ainda vejo seus pés, brancos como mármore num movimento de dança sensual.
Um café me estimularia agora. Quem sabe um alento novo, uma energia que me dê a alegria para suportar esse dia que se anuncia sombrio.
Erro a mão no café. Ficou amargo em excesso. Pode ser a minha predisposição para coisas amargas que me fizeram dosar o pó de forma exagerada. Tento um pouco de mel para aliviar o amargor e até que alivia mesmo. Tomo um copo inteiro com deleite e lentamente, sorvendo cada gole escaldante, sentindo o estímulo da cafeína quando entra no meu sangue quase que de imediato.
Me reanimo; olho para fora e vejo que uma chuva fina começa a cair. Que se dane, não vou sair de guarda-chuva. Vou ao quarto e calço uma bota fechada com meias grossas. Detesto ficar com os pés molhados. Visto uma jaqueta impermeável e retorno à cozinha. Outro café, desta vez preguiçosamente, olhando pela janela. Nunca estivemos juntos quando chovia.  Eu, pelo menos, nao me lembro. Talvez por um efeito do sentimento que nos unia, só me lembro dela em dias claros de muito sol. Realmente, a vida, o mundo, as pessoas, tudo era luz, tudo era radiante quando estava junto dela.
Termino o café e deixo a xícara sem lavar em cima da pia, os olhos marejados; são lágrimas insistentes que sempre afloram assim pela manhã.
Alcanço a sala e abro a porta resoluto. Desço num passo firme o único lance de escadas e ganho a rua sob a garoa e o vento.
Preciso sugar um pouco dessa vida que se agita na cidade. Não posso me dar por morto e desistir.
Quando estiver refeito dessa modorra, no final do dia, ligo pra ela, e tento de novo. E assim farei amanhã, e depois, e depois... sei que ainda vou dormir em agonia. Mas tentarei.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O dia seguinte.

Eu tentei aceitar. No princípio até consegui. Seus argumentos eram mais do que lógicos, e analisados friamente, faziam sentido. Analisados friamente, eu quis dizer, porque, por outro lado, o lado mais emotivo, o lado em que as decisões são ditadas pelo coração, seus motivos chegavam a parecer cruéis, insensatos, irracionalmente realistas. Sim, porque a realidade exige uma boa dose de fantasia, ou vivemos uma vida árida, sem jardins, sem pétalas que se abrem, sem a percepção da chuva tamborilando na calçada, sem o sorriso da criança que pela primeira vez consegue se manter de pé.
Mas, fazia-se mister ler seus argumentos pela ótica matemática da estatística. Absoluto non sense aplicado às coisas do coração.
Concordei a contragosto, mas também não havia saída possível. Ela estava saindo. Saindo da minha vida, saindo dos meus sonhos mais acalentados, saindo dos meus planos, saindo, saindo, saindo, ... e eu não suportava a ideia que teria de viver sem seu sorriso a partir dali. Não ouviria mais sua voz todas as manhãs, não teria mais a quem levar uma toalha no banho, não teria mais a quem servir um copo de água na sala, nas tardes quentes de final de verão. Não teria...não teria...tudo isso passava em minha mente num relâmpago enquanto concordava com seus argumentos sórdidos. Muitas vezes a lógica é sórdida, principalmente quando fere sentimentos nobres. Quando não leva em conta as emoções envolvidas.
Ainda pela manha aceitei o fato de ter que me aturar sozinho. Não vivi aquele dia. Usei o tempo me convencendo sempre que seria melhor assim e que poderia encontrar algo de positivo na situação, me iludi todo o dia com a premissa que sendo livre teria mais tempo para fazer o que bem entendesse.
No entanto, chegando em casa no inicio da noite, o silencio caiu sobre o meu rosto como uma onda de choque numa explosão. Um silencio que parecia ter o hálito morno dos ventos do deserto. Sem ter simplesmente o que fazer sentei-me e abri sua ultima correspondência, a mesma em que ela usou dos seus argumentos lógicos e paradoxalmente insensatos. Li como quem lê um anuncio de jornal. De súbito, duas ou três lágrimas saíram apressadas, rolaram-me  pelo rosto, se perderam no  canto dos lábios, e quando senti seu gosto salgado, como salgada era a desilusão, deixei pender o rosto e correr livre o pranto. Livre e silencioso, como seria a vida dali adiante.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O banho. ( repostagem do original de 04/03/09)

Quando acordo de manhã, a primeira coisa de que me lembro é você falando ao meu ouvido, tua voz ligeiramente rouca me sussurrando coisas que me dão arrepios. Teu riso soa claro em minha cabeça e me faz sorrir de satisfação ao mesmo tempo em que vem o desejo de te possuir assim, logo ao despertar.
Tento fugir me virando na cama, tentando pensar em compromissos, negócios, mas você volta sempre e marca presença com inegável efeito em meu corpo. Nesse momento, tudo em mim se traduz em desejo, num frio que me perpassa o estômago, ao imaginar teu corpo ali colado ao meu. Levanto-me e vou para o banho. Tiro lentamente a roupa e aquele friozinho de pouco antes se transforma numa onda de calor percorrendo as pernas e subindo como uma fogueira abrasadora. Faço um gesto inconsciente de me tocar de leve. Abro o chuveiro já imaginando você ali comigo, teus seios colados em mim, teu corpo quente pronto para minhas carícias, teu hálito perfumado invadindo meus pulmões, inebriante como absinto. Vejo você, os cabelos molhados, a água descendo pelas costas, em riachos serpeantes, perdendo-se em profundezas da imaginação. Beijo-te com ternura, feliz por ter você comigo. Abraço-te e deslizo minhas mãos pelo teu corpo, beijo teus ombros, afago teus cabelos com meus lábios, até alcançar a depressão atrás da orelha onde deposito um beijo delicado. Sinto tua pele se arrepiar.
Saio um pouco do jato do chuveiro para usufruir da sensação erótica provocada pela espuma que vou espalhando em mim. Fecho os olhos e vou deslizando uma mão pelo corpo, enquanto a outra abraça o peito numa carícia de pura fantasia. Os ombros se encolhem num arrepio e o corpo todo vibra como se fossem suas mãos a me tocar. Pouco a pouco me entrego ao êxtase que me proporciona essa ilusão deliciosa, da tua presença, que a imaginação faz quase real. Todo meu ser vibra numa emanação de sentimentos confusos de amor, de censura, de prazer, culminando numa descarga elétrica quase violenta, um choque de alta voltagem que me deixa sem forças.
Ajoelho-me um pouco no piso e depois me sento esgotado, o jato quente do chuveiro caindo sobre meu corpo. Deixo-me ficar assim por um momento, incapaz de pensar, num estado indefinido, totalmente entregue, o desejo exaurido.
Pouco depois me levanto e termino o banho como se nada tivesse acontecido.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O amor nos tempos da net.

Uma noite de inverno, num futuro distante, sentados numa sala aconchegante, o fogo crepitando na lareira, tomando chimarrão enquanto conversam, falam do frio, ela pede que lhe traga uma colcha a mais para aquecer os pés, ele vai pegar, logo volta e estendendo-a sobre suas pernas senta -se ao seu lado.
Falam de música, cinema, de livros e discutem algumas teorias filosóficas. Discordam sempre e acabam caindo no riso, acusando-se mutuamente de um não compreender o raciocínio do outro, ou de simplesmente discordar, apenas pelo prazer de discordar. Recordam-se de outras noites, outros dias, amigos que se foram, viagens programadas, realizadas umas, outras não, coisas a fazer nos dias vindouros. Falam e falam por horas a fio, num interminável fiar de assuntos os mais variados. O mate acaba, faz-se um silencio, que horas são? Já? Como o tempo passa depressa...


—Lembra quando ficávamos horas na Internet no nosso começo? E a gente nem se conhecia pessoalmente? Eu me lembro. Me lembro também que você um dia me agrediu com palavras duras, nossa primeira briga; aquilo pra mim foi o fim.
—É... foi. Eu fiz isso a você.

  Ele se senta de frente para ela, pega suas mãos num gesto de aquecê-las. Olha nos seus olhos e contrito, o semblante traindo a dor de uma ferida antiga, mesmo depois de tanto tempo, so consegue dizer: Me perdoe.
Ela ri, dá-lhe um tapinha carinhoso no braço e diz: Seu bobo!!

Pouco depois, quando vai ao banheiro antes de dormir, ele se olha no espelho e o que vê são dois olhos cansados, marejados de lágrimas.

Virtual doméstico.

E eis que imagino ter você comigo todos os dias. Chegar em casa e compartilhar com você os acontecimentos do dia. Tomar um banho juntos, depois sentar na cozinha e conversar amenidades. Ouvir musica juntos, comentar um livro interessante, aquele filme legal. Deitar tua cabeça no meu colo e fazer cafuné até você adormecer. Depois te acordar com um beijo tranquilo, passeando meus lábios sobre tua face, tua boca, aspirando o perfume da tua pele e dos teus cabelos. Acordar todos os dias tendo você ao meu lado desfeita em fiapos de sono, sorridente um dia, mal humorada em outros. Te desejar bom dia com um abraço recheado de beijos. Tomar um café fumegante "na corrida" antes de sair com um aceno e um beijo jogado de longe. Saber que a rotina virá um dia e compreender enfim que o amor é também feito de dias brancos. Rir juntos de qualquer coisa banal; será que um dia riremos às gargalhadas sem motivo outro que o prazer de estarmos juntos? Amar você com frisson, com deleite, com prolongado prazer de um arrepio circulando pelas costas, enquanto você "puxa" meu cabelo, com ganas de arrancar-me a alma. Abraçar você com carinho e afeto e afagos e mimos. Cuidar de você, da menina que ainda brinca com sonhos e que se recusa a deixá-los morrer.

O que sinto não foi imaginado. Tuas imagens não foram criadas na mente de algum artista ( ou teriam sido? ). Nossos contatos são apenas meio completos, quando falta o som das nossas vozes, o brilho dos nossos olhos, o cheiro, o calor da pele. Contudo, ainda nos restam os pensamentos, mesmo que expressos em linhas frias numa tela branca. Já não é pouco e no momento nos basta, apesar da insuficiência em satisfazer os anseios do espírito. Um mínimo de presença, os pensamentos, e esses não são em nada virtuais. Têm força, têm poder de realização, e não há distância que os impeça de atingirem o objetivo. Mas o que é que pensa? O espírito, a alma ou qualquer outro nome que se lhe dê. E se tuas palavras mesmo sem o som da tua voz, podem expressar o que vai no teu espírito, se eu me identifico com elas e me calam fundo no coração, então fica claro que temos uma grande afinidade. Tão real que interfere no metabolismo, na pulsação, no sono e de forma muito positiva no humor.
Realidades apartadas. Destinos cruzados.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Que ares, menina!

Menina, quem ares
travessos te deu,
que me trazem assim a saudade,
de um tempo de crença
de brilho
de paz?
Corria menina
por várzeas e trilhas
saltava o riacho, varava o caminho
na face, um fogo
nos olhos, urgência
um amor que virá!
Menina, que ares travessos
que ares travessos!
e meu coração lá ficou
no caminho, parado
no tempo
que bobo..! ficou.

Desencanto

De fina, etérea, infinita
névoa
se fez o meu ser.
Em pouco tempo serei talvez
um ponto
uma gota, talvez
rubra lágrima caindo com espalhafato
na página branca
mas hoje porém, sou o nada
branco mesclado ao branco.
Inútil insistir.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Inalcançável.

Não sei o que se passa comigo. Estou estranho, meio no ar, triste, sem chão. Quando era criança tive uma febre de uma semana da qual saí muito debilitado. Meus pensamentos pareciam ser de outro. Eles vinham e iam em ondas e era como se eu assistisse tudo à distancia. Tentava sair para brincar e só conseguia ouvir os gritos dos amigos como se fosse de dentro de uma bolha. É a sensação que tenho hoje. Tudo começou depois que olhei pra você. É mais do que esperava. Fiquei chocado. Por quê? Me senti um animal solitário na imensidão da estepe do Cazaquistão numa noite de lua cheia. Uma lua brilhante, de prata, linda, perfeita num céu estrelado, e torturantemente próxima. No meu desejo de tocá-la, no desvario da certeza do impossível só poderia uivar, e se possível fosse, uivar até que minhas forças se esgotassem e eu caísse morto. A figura é exagerada mas é a verdade. Gostaria de saber o que está no fundo, coberto pela calmaria da superfície. Você é um mistério. Poucas pessoas te conhecem de verdade. Pois você é de uma complexidade à prova de qualquer exame superficial. Está só. Como todos os solitários sonha com aquela pessoa que está em algum lugar e que ainda não chegou. Porque é da natureza humana não ser sozinho. Só te falta amor. Amor verdadeiro, sublime, abnegado.
E como eu gostaria de te dar tudo isso! Estar na tua presença como a peça que faltava para completar esse complexo quebra-cabeças que é você.
Mas para o lobo, a lua é inalcançável.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Todas as manhãs eu perco um minuto a mais de caminho
a esperança personificada passando pela rua
a sentir, mesmo a certa distancia
nas paredes lisas e indiferentes, 
nas cortinas por trás do vidro da janela, 
no arbusto que cresce no jardim defronte ao teu quarto
a tua presença no mundo que te rodeia.
Percebo teu olhar nos meus ombros 
lançando dardos pela fresta da cortina.
Não  olho, ou apenas olho de soslaio
e sigo em frente, coração aos pulos, desejoso, sonhador
em passos lentos me distancio
esperando, esperando...
que tua voz, num desses dias de céu azul e sol dourado
num timbre cristalino, altissonante
grite enfim o meu nome.